domingo, 13 de junho de 2021

“A medida do Amor é Amar sem medida”…


Vivi, ao lado da Rosinha quase vinte e três anos…  e, ao longo de todos os dias, semanas e meses de que se fizeram estes anos, este pensamento de Santo Agostinho foi uma presença constante na nossa vida a dois, uma relação de amor mas, acima de tudo, de muita amizade, de muito carinho, de muita compreensão mutua, de muita entreajuda… uma vida a dois, vivida pelos dois… sempre procurando ver as coisas boas que nos foram acontecendo como uma consequência natural do nosso amor e tentando encarar as coisas menos boas de frente, procurando, sempre em conjunto ultrapassá-las. 

Quem me conhece sabe que, por norma, não tenho o hábito de dar corpo a tristezas... costumo dizer, repetindo o sábio ditado popular, que, tristezas não pagam dívidas, não curam doenças, nem estas se curam mais depressa pelo facto de as tornarmos públicas.

Ora, acontece que, logicamente, não somos diferentes dos demais e, a vida, nem sempre corre como queremos! 

E, como facilmente todos os que se dispuserem a ler este meu texto podem constatar, os tempos recentes foram uma provação muito dura.

Quando há saúde, vivemos os dias num corre-corre desenfreado... acordar, tomar banho, tomar pequeno-almoço, cada um segue para o seu trabalho, e ambos corremos, andamos, vivemos atafulhados em afazeres tais que nem damos atenção à felicidade que é termos saúde…

Só que, ter saúde, como todos nós bem sabemos, não é um dado adquirido! E, quando menos esperamos, vemos-nos confrontados com a doença.

E foi isso que aconteceu. A Rosinha, a Mulher da minha vida, a Mãe da minha filha, viu-se a braços com uma luta que não merecia ter que travar.

Aquele dia 18 de julho de 2019 foi terrível. Acredito que ninguém estará preparado para ouvir, ou ler num relatório, que tem cancro. E foi isso que aconteceu. Aos 43 anos de idade, numa vida regrada, sem exageros, sem comportamentos de risco, de repente, vê-se confrontada com um pedregulho enorme no meio do caminho da sua/nossa vida.

Acreditem que é muito difícil receber uma notícia destas. Foram dias muito difíceis… horas e horas de espera até se confirmar uma realidade que esperávamos não ser real. 

Durante algum disse-lhe: vamos ultrapassar isto!... é mais uma daquelas pedras que nos é colocada no caminho e que, tal como Fernando Pessoa dizia, a podemos guardar para um dia fazer o nosso castelo. Só que, esta pedra, ou melhor, este enorme pedregulho foi crescendo… crescendo… crescendo…

Chegados a 14 de agosto de 2019… começou a luta contra o bicho!... o caminho foi traçado... quatro ciclos de quimioterapia neodajuvante, que decorreram sem qualquer intercorrência, e com a Rosinha a ser a Rosinha que todos conhecíamos. Amargurada, mas, sempre com aquele lindo sorriso no rosto, vivemos quatro meses procurando conjugar a felicidade das coisas estarem a correr conforme o planeado, mas sempre com a cautela necessária por não sabermos o que o dia seguinte nos traria… 

Rapidamente chegamos ao dia 28 de outubro… neste dia, a Rosinha foi submetida a uma gastrectomia total... na esperança de que fosse possível remover por completo este enorme pedregulho que a consumia… 

A operação correu bem… muitas horas no bloco operatório… dorminhoquinha como sempre, demorou mais um pouquinho que o normal a acordar… mas saiu com o seu lindo sorriso nos lábios… confiante… esperançosa… 

No entanto, poucos dias depois, quando se pensava que o pior estaria para trás, eis que mais uma má notícia nos chega: não foi possível retirar a totalidade do tumor… o bicho, de tão forte que era, consegui fazer o seu caminho e já estava a cravar as suas marcas no esófago e em muitos gânglios… solução? reforçar o tratamento; mais uns quantos ciclos de quimioterapia são necessários. 

E, a Rosinha, com uma energia que parecia nunca acabar, qual força da natureza como carinhosamente a nossa filha lhe chama, lá continuou o seu caminho… lutou, persistiu… não baixou os braços... sempre na esperança de que aquilo que tanto desejava fosse cumprido e que o bicho perdesse a guerra!... 

E, durante estes quase dois anos de luta, a minha Rosinha, a Mãe da minha filha, nos intervalos das suas batalhas, sempre que restabelecida das suas forças, lá continuava preocupada com os outros... no meio dos seus constantes enjoos, diarreias, dores abdominais e falta de forças, lá continuava a viver a sua vida de dedicação aos outros; a mim e à nossa filha; à sua mãe que connosco vivia; aos meus pais; à minha irmã e marido; à irmã e ao marido; ao Rodrigo, ao Gonçalo e à Alice, os seus três sobrinhos que tanto gostava de ter perto; aos amigos sempre tão presentes… mas, acima de tudo, à AAPEL, a sua segunda família, uma casa onde 20 pessoas portadoras de multideficiências a esperaram e onde ela se sentia verdadeiramente realizada.

Só que chegou o dia em que as suas forças se tornaram inferiores às forças do inimigo que a consumia… 

E, o dia 19 de março de 2021 chegou… e, neste dia em que recordamos São José, o modelo de Pai de Família, ao final da tarde a Rosinha deu entrada no hospital… as diarreias eram por demais persistentes e difíceis de controlar e a Rosinha necessitava de ajuda… quatro dias depois, 23 de março de 2021, num quarto do Hospital Conde de Bertiandos, recebemos a não desejada notícia de que a Rosinha caminhava apressadamente para o fim da sua caminhada entre nós!...

Foi um dia muito difícil!... muito mais que o dia em que recebemos o resultado da endoscopia e da biópsia!... 

Alguns dias depois a Rosinha vem para casa… mais uns dias passaram e deixou praticamente de se alimentar… e, neste estado subnutrido, mas sempre consciente do seu estado e de para onde caminhava, a Rosinha continuou connosco por mais quase dois meses… ela vivia, e o bicho vivia à custa dela… e viveu os seus últimos dias como sempre os viveu: dedicada e preocupada com os outros… sempre a perguntar se os outros estavam bem… se fazia falta alguma coisa… e terminou a sua caminhada entre nós no dia 26 de maio… por volta das 09h00… calminha, serena, em paz… uma vida muito curta, mas muito grande… uma vida com muita coisa feliz… uma vida que fez muita gente feliz… uma vida de dedicação aos outros, sempre aos outros, à família, aos amigos, aos muitos jovens que acompanhou na catequese, nos projetos PIEF, aos muitos casais que acompanhamos nos diversos CPM em que participamos e, finalmente, aos seus meninos(as) especiais da AAPEL, onde sempre procurou dar corpo ao lema dividir tristezas, partilhar alegrias e multiplicar sorrisos…

A Rosinha, fisicamente, deixou de caminhar ao nosso lado… mas acredito que continuará sempre a olhar por nós… continuará preocupada com o nosso bem estar…

E nós, todos nós que tivemos o grande privilégio de vivermos esta parte da nossa vida com ela, continuaremos a admirar esta sua forma de viver a vida… sempre incansável, sempre feliz e determinada em ajudar o próximo… feliz e determinada em fazer o outro feliz… feliz por ver o outro feliz... feliz!...

E, eu que tive a felicidade de conquistar e viver o seu amor, fiel ao lema de Santo Agostinho que nos diz que “a medida do Amor é Amar sem medida”, continuarei a amá-la… hoje mais que ontem e, menos, muito menos, que amanhã… 

Menina, não te digo “até qualquer dia”!... sei que tu continuarás sempre comigo, com a nossa menina e com todos aqueles que te eram e continuam a ser queridos!...

Amo-te muito!...


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Já chegou o dez de junho...

(ver video aqui)

A propósito do 10 de Junho... grande música do grande Rui Veloso:

Já chegou o dez de junho
O dia da minha raça
Tocam cornetas na rua
Brilham medalhas na praça

Rolam já as merendas
Na toalha da parada
Para depois das comendas
E ordens de torre e espada

Na tribuna do galarim
Entre veludo e cetim
Toca a banda da marinha
E o povo canta a valsinha

Encosta o teu peito ao meu
Sente a comoção e chora
Erga o olhar para o céu
Que a gente não se vai embora

Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos

Já chegou o dez de junho
Há cerimónia na praça
Há colchas nos varandins
É a guarda de honra que passa

Desfilam entre grinaldas
Velhos heróis de alfinete
Trazem debaixo das fraldas
Mais índias de um gabinete

Na tribuna do galarim
Entre veludo e cetim
Toca a banda da marinha
E o povo canta a valsinha

Encosta o teu peito ao meu
Sente a comoção e chora
Ergue o olhar para o céu
Que a gente não se vai embora

Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos

Encosta o teu peito ao meu
Sente a comoção e chora
Ergue o olhar para o céu
Que a gente não se vai embora

Quem és tu, de onde vens?
Conta-nos lá os teus feitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos

Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos
Que eu nunca vi pátria assim
Pequena e com tantos peitos

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Rui Veloso